segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Gota lúcida
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Merchandising cidadão do século XXi (Xiii...)
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Passeio noturno
andante, abrigo proteção pra sempre
refúgio das agonias porvir, insuspeitado devir.
Calçadas desgastadas pedra sabão
chapéu de feltro cinza na mão
casas lusas paredes pálidas portas janelas à beira
bocais de louça quebra-luzes latão plissado
bocas da noite derramam sombras douradas
postes postados troncos eretos cheiros verdes
eucalyptus de outrora.
Cães latem grilos trincando noite verão
e embalam recém-nascidos medos límbicos
mães insones berço côncavo ventre convexo.
Vilarejo sob o solo floresce carvão
pulmão xisto betuminoso
como a vida do mineiro chiste duma vida
que sobre vive vizinho dos peitoris.
Lembranças idas cotovelos nas janelas
sustentam pensamentos vagos de um como já foi e como será...
- Boa noite!
E a menininha se aconchega e dorme num colo que acolhe tudo e a tudo sossega... pai.
(aos 3 anos, com meu pai - Minas do Butiá - 1953)
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Descompasso
Estava comodamente instalada no seu banco individual, olhando despreendidamente as coisas lá fora. A música escutada já por vários dias, fluindo nos finos fios pretos embutidos em seus ouvidos, era a mesma: Cânon in Z, execução no piano de Tay Zonday. Perfeita. Mesmo sendo a trocentésima vez de escuta, sempre tinha o poder de mover seu sangue em ondas, de forma que diluia todos os nós dos seus músculos, e a deixava entregue e cativa a cada toque mágico de todos os dedos do artista. Tons graves destampavam do seu poço uma profundidade intrinsecamente obscura de suas emoções. Tons altos lhe conferiam asas libertadoras, para a luz e o espaço imponderáveis pela razão.
Cânon voltara a verter em seus ouvidos, como um oceano turbulento, traçando uma parede de isolamento acústico entre ela e as pessoas da lotação. Sentiu vontade de compartilhar seus nervos em frangalhos pela morte eminente de um menino. O que estariam comentando os demais passageiros? Todos tinham visto o ocorrido, como que de camarote, num teatro de bancos amolfadados. Como estariam seus corações frente a tudo aquilo?
- Sim, e ainda se achou cheia de razão!
- Mas eu não tive culpa, vocês viram...parei bem na esquina, aguardando a minha vez...
- Mas a culpa de ultrapassar o sinal foi dela, tá na cara!
- De certo comprou a carteira...
- Está cada vez m ais difícil dirigir nesta cidade...
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Vida além da razão
Para sempre, nunca mais, meu eu interior! Piada. Não dominamos a vida. Pesa-nos demais carregar a eternidade, do modo como a entendemos, e carregá-la amarra nossos movimentos. É a velha auto-suficiência, lá da queda de Adão, nos condenando ao exílio. Por outro lado, constância nos é mais leve e possível. Ainda que possamos pensar de início que constância significa amarrar-se a um propósito único, seu sentido mais profundo está ligado à atitude frente ao transformar-se contínuo das coisas. Eternidade está fora do nosso alcance, mas constância não.
Mas não estamos condenados ao limite de nossa compreensão. Somos dotados da capacidade de ir além do simples método racional de apreender o mundo. Somos capazes de voltarmos às coisas mesmas e à nossa relação com tudo isto, e reaprendermos de forma contínua. Conhecer e aprender nunca se esgotam, seja com relação ao que for.
sábado, 15 de outubro de 2011
Pseudônimo
Viu os vizinhos de baixo e os vizinhos de cima, em suas lides matinais. Mais estranho os de cima, pois os via dos pés para a cabeça. De baixo para cima os perfis ficam paradoxais. As nádegas parecem puxadas para baixo, se amontoam pesadas nas coxas que como troncos sustentam uma silhueta robusta de braços finos e pés grandes, meio em descompasso, como num quadro de Tarsila.
A roupa ideal, o peso certo, manequins, modelos, cinturas, bustos, músculos rígidos, nada disto. Via-os nus, em seus banhos, despidos de seus recursos. Os meninos, o pai, a mãe, todos corpos tão somente, carne molhada e ensaboada, numa humildade alienada, simples e resoluta como a água que escorria na pele e rolava abaixo, formando uma lâmina no chão transparente que a tudo sustentava.
Achou melhor ainda despir todo o prédio, e os prédios vizinhos, e mesmo a cidade. Pronto! Agora estava bom. Também despiu tudo de móveis e utensílios, deixando o espaço nu e livre, como na criação. Levitando no plano horizontal de sua cama, via camadas sobre camadas, chão, paredes e tetos transparentes, e as pessoas se movendo, umas sobre as outras, alheias ao seu olhar. Pessoas soltas no espaço, em diferentes planos de altura e profundidade, umas de pé, andando de um lado para outro, outras como que sentadas, levando a mão à boca, segurando coisas invisíveis. Vizinhos uns dos outros, se punham frente à frente, indiferentes, mexericando coisas em possíveis armários, gavetas, prateleiras ou balcões.
Julgando-se protegidos pela invisibilidade que supunham nas paredes, coçavam-se em partes íntimas, faziam micagens, miravam-se vaidosamente nos espelhos, junto a movimentos de se vestirem ou despirem, pôr sapatos, se pentearem, pegarem objetos. Mas tudo apenas em movimentos puros, como na caricatura de um amanhecer burguês, na mímica de uma dança previamente coreografada.
Podia ver o porteiro lá embaixo, pseudamente sentado, falando ao telefone, pressionando botões de abrir e fechar possíveis portões, tudo apenas gestual. Crianças carregando possíveis mochilas, homens possíveis pastas, mulheres possíveis bolsas, se equilibrando na ponta dos pés, em possíveis sapatos de salto alto. Cada um vestido com a fragilidade de sua nudez.
Espalhava-se verdadeira multidão, do bairro a todos os lados da cidade, até onde a vista alcançava, dispersa no espaço, ocupando níveis altos, longe do chão da terra, como em edifícios, com arquivos e gavetas virtuais, disponíveis apenas ao toque do olhar. À medida que a distância crescia, os corpos iam se desconfigurando dos padrões humanos, perdendo o formato. Primeiro pareciam pássaros, depois moscas, e mais para a direção do Cais do Porto, para o centro da cidade, drosófilas. Bem ao longe, fundo, pairava apenas uma garoa cor de chumbo, engolida pela fenda do horizonte boquiaberto.
Um tanto de inquietação se derramava em seu peito, com um gosto meio amargo. O ridículo, o triste, e o real humano se entrelaçavam numa dança de ritmos incompatíveis. Parou um ônibus para embarcar passageiros, também despido de paredes e bancos, e chão e teto. Pessoas enfileiradas, pseudamente sentadas em possíveis bancos, e as que pseudamente se penduravam para entrar numa possível porta. E um pseudo motorista e uma pseudo direção, e um possível destino.
Voltou a atenção para o ninho morno de sua cama. Agora nenhum limite lhe barrava os sentidos. O azul do céu invadia seus olhos, filtrado pelas pessoas se movendo, acima, abaixo, dos lados. O cheiro de terra molhada subia dos canteiros regados pelo jardineiro até suas narinas e se derramava em suas papilas gustativas. As sirenes das construções, os motores dos veículos, o gorjeio dos pássaros, os latidos, as vozes das pessoas, tudo vinha como bigorna ao encontro das bigornas dos seus ouvidos. E o vento frio da manhã batia à sua pele, traçando o limite entre o seu corpo e a brisa.
Um sentimento de coisa inteira lhe cingia. E de pertença. Como se de repente, todas as incógnitas tivessem se diluído nos ruídos, nos cheiros, nos sons e na luz da manhã. Tudo estava absolutamente como devia ser, como a resolução de um teorema demonstrado em si mesmo.
Suspirou fundo e lentamente espichou-se em sua cama. A penumbra de repente se fez concreta, bem como as paredes, o chão e o teto, em seu quarto. E o absurdo urbano lhe chamou para o chuveiro. Pseudos pensamentos se derramaram no seu possível dia. Ergueu-se, com a sensação de muitos olhos sobre si. Acelerou seus movimentos, no exíguo espaço de 15 minutos. Precisava pegar o próximo ônibus. Não podia se atrasar para o trabalho.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Penso, logo existo? (O tempo e o vento II)
Quando olhamos pela janela, parece-nos ver o tempo lá fora, solto, envelhecendo as árvores, acinzentando os prédios, pondo musgo ente os paralelepípedos, soprando o vento sobre as folhas secas, embebido em tudo, como se fosse um ente dotado de força, identidade e inteligência. Mas não é assim.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
O tempo e o vento...
A gente pensa o tempo como algo abstrato. Uma força que nos domina, que nos escorre pelos dedos e deixa marcas na nossa pele. Mas abstratos são os dias e as horas, porque são convenção humana.
O tempo é substância concreta, é exclusivamente o movimento das coisas, os acontecimentos, os fatos, constituídos de pessoas que se esbarram, bichos e plantas, astros, planetas, terra, luz e sombras, guerras, sangue, risos e lágrimas. É este movimento que a gente tenta pôr em caixinhas, conforme nossas limitações físicas, e ordena em antes e depois.
E uma sucessão de antes e depois nos pesa nos ombros e nos envelhece. Mas não é o tempo que anda, lento ou rápido. O tempo não existe, em si, apenas para nós, na nossa compreensão. As coisas se modificam sem trégua, e nós no meio delas. Eterna mente.
sábado, 24 de setembro de 2011
Torre de Babel
Informação, pra virar conhecimento, tem que servir pra vida e ser aplicada. Se não for assim, é inútil. Vivemos num mundo atulhado de informações, que não servem pra nada. Cuidar do lixo, dar-lhe o destino adequado, também se aplica ao lixo intelectual. O micro planeta que somos, cada um, agradece...
Muitas vezes nos cremos sabidos, inteligentes, e pensamos que nem precisamos muito do outro, se nos mantivermos bem informados, intelectualmente alimentados.
“Entendemos” tudo, e podemos tocar nossa vida sozinhos. “Eu entendi tudo isto” é óbvio, desde que esteja na mesma língua e no mesmo horizonte cultural. Mas se aquilo que entendemos não servir para nos modificar para melhor, é uma carga inútil.
Entulhamos nosso entendimento de bonitas palavras, pensamentos sábios, como porcelanas raras, e usamos como trunfo, poder, status. E o que poderia ser um diálogo, um encontro, uma troca e um crescimento, vira um discurso de palavras vazias.
Vivemos num mundo solitário, onde todos entendem tudo, mas ninguém se entende mutuamente. A palavra pode ser um milagre, se tiver alma. Pra ser assim, precisa ir além do entendimento léxico. Uma chama solitária se auto consome e se extingue, sem ninguém para reacendê-la, sem ninguém a quem iluminar. Nossa chama se alimenta do outro.
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
A dança da vida
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
O Burro Beleza
Tenho tristeza e choro. O menino à noite, ontem, treze anos, conhece todas as letras, mas não lê. E eu na frente dele, debruçada sobre a mesa, armada de papel e lápis.
- Está bem, não quer mais ler, não é? O que você gosta de fazer? Desenhar? Bem, desenhe.
- Claro!
- Acho que sim, mas o que queres com novela?
- É que a mulher da novela, o marido dela...Sabe o meu pai?
- Sei, vi teu pai lá hoje, quando fui te buscar pra aula. Ele foi te visitar?
- Quando eu voltar pra casa, ele já foi embora...A mãe não deixa ele ficá. Mas ele vai pagá a minha mãe.
- Pensão?
- Sim. O meu irmão vai de tistimunha.
- Vamos escrever o título, ou queres escrever o que diz o homem, dentro deste balão?
- O balão.
- Bem.
- “Burro Beleza só quer moleza? Eia! Eia! Eia!”
- Não sabes o que é primeiro? O A! De amor...
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
Foto grafando
Ele fotografa o chão todos os dias,
Com seus olhos de varredor,
Com sua roupa laranja,
Com seu carrinho de folhas secas.
Não vê de fora, não sai de si,
Não chora, nem ri.
Nem possui o seu trabalho.
Vê-se formiga no formigueiro,
Anônimo, acéfalo.
Três olhos, do nono andar,
fotografam seu suor,
begônias, bem-me-quer,
acácias e alamandas,
e sem o menor pudor
Zoom
Ino’minados dias postos na rotina
capturo na retina dedos dos meus olhos
páginas folhadas ao acaso.
Janela aberta filtrada na cortina
diafragmo embevecida mente
luzes rastros libertos numa folha
álbuns do que passou
Clic!
Escrito nas estrelas
Ciclo urbano
Todo dia pego lotação. Manhãzinha cedo, ela sobe a ladeira, na esquina da minha rua, e vejo a obra. O pedreiro parado no esqueleto do portal, olhar vago, pousado em coisas transparentes, onde o foco é sempre mais além. Magicamente eu alcanço este foco, com outros olhos, onde as retinas são retas infinitas que nossos passos trilham com pés de sonho. Ele não me vê, mas eu sim. Capturo luz e sombras no côncavo do céu que me encobre e nos bolsos do meu casaco, nas minhas mãos geladas, que clicam uma fotografia virtual do desencontro sincopado de nossos níveis. O ritmo da música ecoando nas parietais do meu crânio, uníssono no córtex do meu cérebro, martela feito coração pulsando. E move a pedra do meu peito. Ressucita-me, mesmo que a partir de hoje, a partir de hoje...E pássaros enclausurados ganham liberdade. Fora, dentro e fora!
Tudo todo o dia parece igual. A rotina roda pesado compromissos previamente agendados pela necessidade de se enquadrar num mundo feito de pedras e pão. Desejos e coisas que estariam fora do alcance, sem a sagrada agenda, movem os meus passos e os de todos que povoam as ruas alienados de si mesmos. Cada pedra, curva, motorista, passageiro, tudo igual. Mundo de vírgulas e ponto final. As árvores a décadas desfilam seus cabelos verdes pelo vidro embaçado de um comboio, neste meu porto alegre. O vento e a chuva e o calor e o frio e o sol. E as calçadas trincadas, ladeiras úmidas e os terrenos baldios. Mas tudo pode ser sempre novo, quando se renasce inocente.
A seiva que sobe nas veias destes troncos não é a mesma de outrora. Resíduos do meu banho rolam para o rio, estuário de toda a gente, e um pouco de mim verdeja nestas copas e alimenta o rodopio das folhas. Um pouco de mim flutua sobre as nuvens, se dilui e encharca a terra. Penetro narina a dentro dos desavisados que respiram pra sobreviver apenas. Um pouco de mim, pele morta que revive, me adentra, me alimenta e renova. Um pouco do pedreiro, vida de pedra, no seu olhar distante embevecido noutra dimensão. Os banhos todos do planeta se escoam, e também todos os suores e lágrimas e a excreção das vísceras de todo o ser vivo, debaixo do sol. E os elementos todos se fundem e fermentam e se transformam, na escuridão do húmus que fertiliza novas vidas. O frio do sol oculto se derrama nesta nave, aquecendo noutra face, cirrus-cúmulus-nimbus, águas de cima do firmamento.
Velhos são os olhos que não brilham, as pálpebras de pele agonizante que teimam em encardir a alma, que se fecham e se abrem, nem sempre em sintonia com o espetáculo. Cansaço de ser. De não ser. Órbitas vazias, mas iluminadas pela mesma chama. Eu, o pedreiro e o uni-verso inteiro.
Parte II
Todo dia pego o trem, noite escura ainda, olhos pesados, gosto amargo de café puro na garganta e de coisas que nem penso, pra não cair num poço sem roldana. No formigueiro da estação sou picado todo dia. Uma coisa que arde não sei bem onde, dentro. Gosto meio enjoado, de quem comeu muito pastel de vento, feito com gordura já usada, que recende pra todo lado. Deve ser por isto que ninguém se vê, e fica transparente, sem ser alguém na multidão. Medo de contaminar ou de ser contaminado pelo ranço que arde na garganta. Os pés andam sozinhos, sem alma, corpo vazio. Mas dentro a chama treme em cada um, resto de fogo que ainda esquenta. Talvez um sopro do deus que tanto falam por aí.
Desço do trem e pego meu rumo noutro ônibus que me traz aqui. A caliça recebe meus pés de sapatos tortos e meu nariz já sente o cheiro de cimento pó, de cimento água, de cimento massa, de cimento fresco que evapora e me enche os pulmões. Coração duro deve nascer daí. Pedaços de caibros, estacas e vigas vão se alinhando pra segurar mais um teto, que meu não é. Me encosto no portal e a minha mão toca no tijolo, dureza da parede que ergui. Que me segura.
Respirar de manhã cedo é bom. Paz, silêncio de uma rua de gente fina, longe das minhas faltas. Fico esperando um pouco as coisas que se repetem todo dia, porque nem sempre se repetem, já vi. Meu café da manhã se completa com o cachorro que me abana o rabo, e o passarinho que pia nos jardins, e os pequenos que passam para a aula. Tudo é espanto, parece sempre novo! Um inseto, uma criança, uma nuvem, me aparecem como a primeira vez. E o meu corpo fica leve, vazio do que não tenho e sou feliz, nesta hora.
E vem a lotação todo dia. Aquela mulher na janela, fios pretos saindo dos seus ouvidos. Este tal de MP3, já aprendi. Muita porqueira triplicada. Tira as pessoas do ar, viram ET. Ela parece um manequim de cera, destes de loja, vista da janela. Mas sei que algo dentro dela está acontecendo, porque deve estar ouvindo música, que faz a gente voar.
Eu que nem quero isto... homem metido a passarinho pode se esborrachar! Mas... pensando bem, talvez até viesse a gostar, ficar sozinho comigo mesmo, dentro da minha cabeça, ou fora, sei lá. Uma vez escutei um destes aí, som bom pra caramba!
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Declaração
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Errante
Antes das casas, cascas,
paredes, rebocos, tintas,
havia uma alma nua, errante,
oh, Vladimir!
Quero dormir sobre meus pertences,
saco de molambos carregado às costas,
caracol humano que não deixa rastro.
Nas ruas de outrora, outra hora de ant’antes,
chão batido, pés desnudos de alicerces,
tendas, com tendas, panos, pós,
pés de vento.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Juízo final (título provisório)
Nossa pressão atmosférica modificava-se à medida que aquele buraco negro tragava nosso oxigênio. Um peso mórbido em nossos corpos inundava-nos de pânico, frente a um extermínio eminente. Mesmo assim, paradoxalmente, nos movíamos mais velozes, gerando o caos.
Os poucos que não foram levados aos céus, onde sumiam engolidos noutra dimensão, permaneciam em completo desespero, na angústia crucial de serem salvos. De tempo em tempo , o céu se derramava sobre o planeta, devolvendo nossas substâncias, desta feita, purificadas. Porém, isto significava que mais uma vez as franjas enrijecidas como garras tornariam a revolver o chão, pedra sobre pedra.
Isto se repetiu em vezes que pareciam infindáveis. Até que o céu começou a derramar tão somente cachoeiras de substância purificada. Nossos companheiros foram devolvidos ao nosso convívio, sãos e salvos, e a luz voltou a brilhar, límpida como nunca. Um doce murmúrio de borbulhas inundou nosso mundo, e o maná voltou a cair, paz eterna à nossa boa vontade.
Título definitivo: Limpando o aquário
Oração da manhã
Concede-me o silêncio
de mim mesma
para que me semeie teu grão
espiga madura
pão nosso de cada dia.
Se me desatem pé e mão
para colher a dor alheia
ao meu umbigo
e sejam os meus olhos
poças de gratidão.
E meus ouvidos sorvam
sopro do Teu Espírito
águas que se movem
viscerais rios
apelos que Te alcançam
no fundo do meu c’oração.
Sono rem
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
poeminha dor’mente
domingo, 7 de agosto de 2011
Cântico
Tu me chamas do fundo nas falésias
caminhos solitários
âmago de eus que aflora domingos de sol batido
no perfil das faces sombra de flor miúda
esmagada no peso do meu pé.
Dá que se abra a porta dos meus anos
e eu ad’entre mágico azul etern’idade
pele do sopro que me deste flor da pele
em cânt’aros de água pura
que aplaca todas as sedes.
Não beba eu cálice de amarguras
noite es’cura pele dos meus ossos
que me car’regam Homus erectus
ponto angular pedra do meu sangue.
Mas se quiseres digo sim
gota a gota
fel que me entranha a língua
res’suscita-me!
Faz em mim Tua pa’lavra
campos de trigo que hão de vir
eterna’mente hoje-sempre
vento que sopras vela do meu barco.
Roca
Coffea arábica
Pássaro azul
Desperta dor
sentimentos costurados na lombada
epígrafe lavrada mármore branco
coração sangrando sangue venoso
derramando no vidro dum relógio digital.
Rastros desprendem miasmas
números espirais vermelhas
caracóis em desalinho
molas frouxas sustentam madrugada
que esparrama meus lençóis.
Dois sóis fulguram órbitas da face
iluminando longe céu escuro
horizonte que estilhaça raios laranja ácida
vertendo azul profundo
manhã que se aproxima dia dos meus olhos.
Discos sobrepostos
espinha dorsal que me sustenta
lenta melodia me desperta
porta aberta que atravesso.
Som batido implacável bip
retorna sempre dança de meus passos.
Luzes invadem janela semisserrada
em linhas pont’ilhadas
na parede do meu quarto.
Sonor’idade grafite atrito do meu lápis
grafa cinza grito vermelho
sangue arterial da noite que se foi.