terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Posologia



A vida, comprimida numa cápsula,
não pode ser engolida inteira,
tem de ser mastigada,
digerida aos poucos
em porções de dias,
meses,
anos,
segundo a garganta de cada um.

Não sei do último copo,
nem sabes do último quinhão.
A vida vem de pouco a pouco
e, de repente,
pode ser no próximo segundo,
engole-se o fim.

Ai de mim que observo inocente
o desfile dessas minúsculas coisas,
mesquinharias do dia-a-dia,
do passo-a-passo
que me tornam velha.

O abraço mortal do tempo
que me estrangula
a gula de viver.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Precisão



Um dia estas mãos estarão mortas.
Toda a mão estará morta um dia
mas ninguém se importa.
Brincam de ser eternos,
em ciranda, de mãos dadas.
E as coisas,
milimetricamente iguais
no espetáculo das horas
vão alinhando os ponteiros
nos quartos,
nas meias e meios,
alinhavando tédio
nos seus ângulos agudos,
obtusos.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Homem digital


Adormeço aos poucos,
resvalando para um mundo ambíguo
de palavras contraditórias
que vão formatando histórias.
E assim, entre dois mundos, surgem frases,
rasgadas em palavras
que corto, recorto e colo,
pois tudo o que mais quero mesmo,
-sem acordar - oh, meu Senhor,
é simplesmente um computador!
Para ordenar, à luz da tela,
sinais do mundo escuro
das letras em desalinho,
onde vão formatando o ninho
dos sentidos textuais.
E a linha dura e fria da palavra,
escrava ao nexo comlexo de dizer,
se faz ouvir no tato do ir-e-vir
acariciante e deslizante
de um rato!