segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Gota lúcida

De repente tudo era lúcido. O asfalto sob o sol o cão na coleira a mão do menino o velho trôpego a faixa de segurança o céu lúcido azul bebê entardecendo sobre todas as coisas. Era lúcido o banco mudo e seco e eu lúcida esparramada nele à espera. Eram lúcidos os carrinhos do supermercado abandonados vazios e o ponto de taxi os taxis e os taxistas... era lúcido o sopro nas palmeiras da praça com as palmeiras e todo o verde. Lúcida a cruz na torre azul das Graças em meio aos telhados sobrados e prédios eretos em sólido concreto. Era lúcida a ambulância cor branca sirene e lúcidos os enfermeiros e a seringa translúcida. E lúcidas minhas veias.






quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Merchandising cidadão do século XXi (Xiii...)


Para rir um pouco... que ninguém é de ferro!
Para seu conforto e plena satisfação compre:
Papel em gênero A História*. Veja suas vantagens:
- Anticomedogênico, isto é, à prova dos ataques sorrateiros do seu cãozinho poodle à lixeira do banheiro;
- Dermatologicamente testado, você poderá sem preocupação alguma assar o seu peru (de natal) sem sofrer assaduras em você mesmo!
- Papel em gênero A História é antialérgico, não dá pruridos no seu bolso, já vem previamente picotado e por isto é muito econômico;
- O papel em gênero A história vem em duas opções para seu maior conforto:
1 - biodegradável, politicamente correto, pois se autodestrói em poucos segundos, imediatamente após o uso, evitando a formação de mau cheiro, causado pela oxidação de substâncias orgânicas;
2 - reciclável, se auto-recicla até 6 vezes através de um acionamento automático de eliminação de resíduos, tornando-se branco como a neve dos polos, até para os mais incorrigivelmente racistas;
- Além disto tudo, o nome garante a satisfação, pois papel em gênero A história permite que você faça gênero, sem cheiro e sem meleca, fazendo da sua natureza uma história sui generis.

A História - trocadilho do nome do papel higiêncio "Astória", marca com mais de 60 anos de existência.
K K K K K K K!!!!!!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Passeio noturno

Noite infante acolhe quente e embala silente
andante, abrigo proteção pra sempre
refúgio das agonias porvir, insuspeitado devir.
Calçadas desgastadas pedra sabão
chapéu de feltro cinza na mão
casas lusas paredes pálidas portas janelas à beira
bocais de louça quebra-luzes latão plissado
bocas da noite derramam sombras douradas
postes postados troncos eretos cheiros verdes
eucalyptus de outrora.
Cães latem grilos trincando noite verão
e embalam recém-nascidos medos límbicos
mães insones berço côncavo ventre convexo.
Vilarejo sob o solo floresce carvão
pulmão xisto betuminoso
como a vida do mineiro chiste duma vida
que sobre vive vizinho dos peitoris.
Lembranças idas cotovelos nas janelas
sustentam pensamentos vagos de um como já foi e como será...
- Boa noite!
E a menininha se aconchega e dorme num colo que acolhe tudo e a tudo sossega... pai.
(aos 3 anos, com meu pai - Minas do Butiá - 1953)