segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Vida além da razão


Para sempre, nunca mais, meu eu interior! Piada. Não dominamos a vida. Pesa-nos demais carregar a eternidade, do modo como a entendemos, e carregá-la amarra nossos movimentos. É a velha auto-suficiência, lá da queda de Adão, nos condenando ao exílio. Por outro lado, constância nos é mais leve e possível. Ainda que possamos pensar de início que constância significa amarrar-se a um propósito único, seu sentido mais profundo está ligado à atitude frente ao transformar-se contínuo das coisas. Eternidade está fora do nosso alcance, mas constância não.

O espanto, a admiração e o prazer brotam na criança diante do mundo, e conforme vamos nos tornando adultos, o espanto vai se transformando em medo, a admiração em dúvida e o prazer em angústia.

Felizmente, a criança sempre vive em nós, apesar de todas as forças contrárias. A criança vive uma coisa de cada vez, e não atribui significados pessoais à vida. Isto talvez signifique deixar a vida fluir como na filosofia dos anos 60 e 70, porém sem a desimplicação de um cérebro entupido de fumaça ou o sangue intoxicado de alucinógenos.

Deixar a vida fluir significa deixar que as coisas sejam o que são. Envolvê-las nos nossos significados faz parte da condição humana, mas prender-se a elas não. Viver aprisionado a uma morte, a uma ideologia, a um princípio ou a um pré-juízo nos tolhe o prazer de renovar constantemente nossa vida.

O que nos dá unidade e consistência não é o apego, mas o desapego, pois vamos nos constituindo, à medida que fluímos com a vida. Entretanto, confiar e esperar, ou em outras palavras, e esperança, são atitudes necessárias para reverter o medo, a dúvida e a angústia. Garras afiadas nos fixam como que em rochas, quando o desafio é abrirmos mão da nossa compreensão sobre as coisas e nos colocarmos como aprendizes frente à vida.

E muitas são nossas compreensões equivocadas sobre como o mundo é. Exemplo disto é a noção que temos de “mundo interior” e “mundo exterior”, que nos leva a uma dicotomia e a uma mutilação de ser. Interior e exterior, entre outros conceitos, é um modo apenas “didático” de compreendermos as coisas, na abstração. Abstrair significa recortar o que em si não se recorta. Tirar uma parte do todo, a qual, sozinha, nada significa.

Lamento abalar as estruturas egóicas de certos modos de ver a vida, mas eu interior não existe, a não ser como ego-ismo, derrame do ego sobre todas as coisas, ou confinamento em si mesmo. Existe um mundo dado e uma compreensão sobre ele. Existe o vínculo entre a chama da consciência e o meio do qual se alimenta esta chama. E este vínculo não está fora nem dentro de um corpo, mas em cada átomo do universo. Conforme se organizam estes átomos ou suas partículas, temos a diversidade infinita da vida, animada e inanimada.

Perceber o mundo em exterior e interior resulta dos sentidos limitados que constituem nosso corpo. Confinarmo-nos em nossa compreensão de espaço-tempo nos aprisiona numa redoma de auto suficiência enganadora. O limite do dentro e do fora, quando se refere ao âmago de nosso próprio ser, à nossa alma, ao nosso ser-estar no mundo, é um chão propício a enraizar medo, insegurança e prepotência, e, o pior de tudo, solidão.

Vivemos todos imersos no mesmo oceano de vida, animada e inanimada aos nossos sentidos. Não há dentro nem fora, há foco e desfoco, conforme nosso olhar e nossa consciência. Dentro de nós existe apenas sangue, músculos e ossos, limitados pela pele. O que ultrapassa esta condição é a chama da consciência, imersa nisto e que transcende o limite de um corpo.

Mas não estamos condenados ao limite de nossa compreensão. Somos dotados da capacidade de ir além do simples método racional de apreender o mundo. Somos capazes de voltarmos às coisas mesmas e à nossa relação com tudo isto, e reaprendermos de forma contínua. Conhecer e aprender nunca se esgotam, seja com relação ao que for.

Para sempre e nunca mais resultam de uma visão parcial das coisas. Porque queremos eternizar determinadas coisas e extinguir determinadas outras, por meio de nossa vontade. Mas o que é eterno é o fluxo do espetáculo da vida e disto não podemos nos apropriar. Deus colocou uma espada de fogo entre nós e a árvore da vida. Não podemos provar de seus frutos, sem antes digerirmos os frutos da árvore da ciência do bem e do mal. Nosso livre arbítrio diz respeito somente a nós mesmos, ao nosso próprio movimento e às nossas escolhas, não se estende ao mundo em que estamos mergulhados. Quando isto acontece, vira dominação ou submissão.

Eternidade e constância não são paralelas que nunca se encontram. Quando ruem as paredes do mundo interior e do mundo exterior, se encontram e se unificam. E para nosso pasmo, o espanto, a admiração e o prazer são irracionais, porque a emoção assim o é. Brotam da espontaneidade das coisas, que são irracionais por si mesmas e tem seu movimento próprio. A racionalidade é um atributo nosso e nos vem da relação com as coisas, não são as coisas que brotam da nossa racionalidade. Existe vida além de nós. E fazemos parte dela. Existe vida além do nosso entendimento.

Um comentário:

  1. Anônimo disse...

    Prima...
    Profundo teu texto, inteligente, muito a ver. Mesmo, eu sendo leiga, além do que, não sou filósofa, mas meus pensamentos viajam se chocam e conseguem entender muita coisa.
    Em suma, há vida além de todo entendimento. (Meu pensamento)
    Te amo....LENIR

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