quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Penso, logo existo? (O tempo e o vento II)


Quando olhamos pela janela, parece-nos ver o tempo lá fora, solto, envelhecendo as árvores, acinzentando os prédios, pondo musgo ente os paralelepípedos, soprando o vento sobre as folhas secas, embebido em tudo, como se fosse um ente dotado de força, identidade e inteligência. Mas não é assim.

O tempo está em nós. As coisas são apenas coisas, e as coisas acontecem. Acontecer é se mover, mover é transformar. O vento é só vento, e as folhas secas, só folhas secas. Nem sequer isto, porque lá fora da janela acontece um fenômeno completamente livre de qualquer definição, independente de nós. Até mesmo fenômeno já é algo que estamos nominando.

Somos nós que pomos significado, e ordem nas coisas. Se nos apropriamos do que acontece, fazendo uma história (passado, memória) ou antecipamos o que ainda não aconteceu (futuro) isto é um ato humano. Entender isto nos livra da milenar polêmica entre os filósofos, que discutem se a realidade existe, ou se é fruto da nossa mente.

Ora, ninguém arriscaria por em prova esta dúvida, jogando uma pedra para cima e não saindo de baixo. Isto é óbvio, a realidade existe, e eu existo nela. Mesmo que fosse fruto da nossa mente, ainda assim existiria de alguma forma. Porque a lógica da morte e da transformação está aí, nos governando. Não porque penso, Monsieur Descartes, mas porque existo tal qual as coisas, e penso sobre elas. E porque penso sobre elas, não sou uma coisa igual às outras coisas.

Pensar é uma forma também de se mover e transformar. Mas as coisas e a nossa relação com elas é que são a fonte do nosso pensamento, e não o pensamento que é fonte das coisas. Tente pensar alguma coisa, que antes não tenha sido coisa no mundo, e que não se ligue a nós por palavras. Infelizmente, nada é inédito, como possa alguém querer ou pensar.

Reeditamos continuamente o mundo, pelos sentimentos e pelo pensamento. Primeiro nos deparamos com as coisas que nos rodeiam, e elas nos invadem, com sons, imagens, texturas, sabores, cheiros. Então pensamos sobre isto, e para pensar, um instrumento precisa ser construído: a palavra.

Pensar é se articular com a realidade, recriada pelos sentidos e expressa pela palavra. Esbarramos com as coisas, que se inserem e se infiltram em nós, e nós as envolvemos com nossos atributos humanos. Criamos outro espaço, virtual, onde podemos nos comunicar, entre humanos, com atitudes, gestos, ações e palavras, de saberes com saberes.

Mas a todo o instante precisamos checar nosso discurso próprio e/ou do outro com as coisas concretas, para não nos perdermos num mundo irreal. As palavras dizem do entendimento humano sobre as coisas, mas nem sempre são fiéis às coisas. Nosso saber do mundo nem sempre coincide com o que o mundo é.

Por isto, nossa humanidade é constituída entre os humanos. Não nascemos humanos, mas humanizáveis. Pensar e falar é um processo único, que se constitui no mundo, entre as coisas e as pessoas. Coisas, pessoas e palavras, com todo seus sentidos e significados, advindos de forças da natureza e de ações, nos fazem quem somos. Logo, primeiro existo, depois penso. Penso, porque existo.

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