sexta-feira, 6 de abril de 2012

Paixão - figura e fundo


Foto tirada no meu primeiro ensaio fotográfico (te mete!) Mercado Público em Porto Alegre, em março de 2010.

Não sei de que gosto mais, se escrever (textualizar os sentimentos, em seus vários estilos), tocar horas a fio músicas no meu teclado (falar comigo mesma na língua dos anjos) ou fotografar - dar vida, no recorte da minha visão, a coisas despercebidas, encobertas pelo desgaste da rotina. Tenho paixão por fotografar. Mas não, necessariamente, no sentido técnico ou profissional. O que me apaixona é trazer à vida, para muitos outros olhos, o que ficaria ali, anonimamente cego no espetáculo da vida. É como fazer um recorte no espaço infinito, sem o qual tudo fica monocorde. Figura e fundo se alternam na nossa consciência, quando estamos acordados e lúcidos. Nos sonhos não se alternam, se fundem. A figura e fundo da nossa rotina é feita na maior parte do tempo de lutas, desgaste, cansaço, compromissos, deveres, decepções, frustrações. Isto nos encobre a beleza presente em qualquer situação. Por isto, como já diz o jargão popular, “sonhar é viver”... Como não tive a graça de me apaixonar pelo meu trabalho estritamente burocrático, restou-me a gratidão pelo sustento de uma vida. Felizmente não me transformei numa barata, como em Kafka, pois a única exigência deste trabalho - horas-bunda-cadeira - me proporcionou um grande espaço de tempo para sonhar. Uma vez eu viajava de ônibus de Floripa para Porto Alegre, ou vice-versa, coisa que fiz por 23 anos. De repente, na estrada, vi um barranco de casas de caixotes, cercas velhas de paus tortos, (ao que chamam favela) e o sol da tarde batendo num menino que soltava pipa. Ah, como lamentei não saber pintar aquilo, nem mesmo falar sobre a paz que me invadiu. Aquilo era tão belo, mesmo com o lixo ao pé do morro, estava tudo como devia ser. Pensei que deveria ser um pouco louca, por ver beleza na miséria, no lixo, no abandono social. Mas o que eu sentia era uma fusão com a vida, era real. Eu fazia parte de tudo aquilo. Do meu conforto no banco estofado do ônibus, e de tudo que rolava lá fora. Quando a gente se funde com a vida, não há queixas, mágoas, questionamentos, acaba a solidão. Eu era uma com a pobreza, a exclusão, os dejetos urbanos, mas também com o sol morno (deveria ser fim de inverno), a singeleza do menino, a liberdade da pipa no céu bem azul, que fazia ele vibrar, correr, pular. A beleza não são as coisas em si, mas o que brota do nosso encontro com elas. Pela fotografia, pela poesia, pela música, pela pintura, escultura, dança, enfim, pela Arte, as coisas ganham alma, como um sopro divino. Não há vida sem arte, nem arte sem vida. Isto é paixão, penso. Acho que o que apaixona, em qualquer atividade que gostamos de praticar, é o ato de criar, dar vida. Trazer à vida imagens que me encantam me dá o prazer enorme de compartilhar a minha alma e a beleza da Criação divina, que está em qualquer lugar. Com um simples “clic” eternizamos um momento, parimos o que não vem de nós, mas de um encontro, e está ali, gratuito para nos fazer felizes. Coisas simples, que me fazem sentir parte de tudo isto, deste mundo, da humanidade, da vida biológica, do planeta azul, do universo infinito. Acho que ter paixão por algo que se faz traz à tona o que temos de melhor, nos dá esperança de que é possível nos comunicar, nos torna concretos, de carne e osso. Preenche o vazio existencial, é um caminho para o amor a si mesmo e ao próximo. Concordo inteiramente que o trabalho dignifica o homem, apesar de todas as injustiças, mas a arte de se apaixonar (fazer do seu trabalho, ou de sua atividade preferida uma arte) liberta o homem. E a mulher também... Um adendo às paixões: Acho que a pior paixão é a que já nasce acorrentada. Me lembra o Cavaleiro da Triste Figura - D. Quixote. Mesmo assim, ainda é melhor do que paixão nenhuma. Clic pra vocês, hehehe...

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