sexta-feira, 6 de abril de 2012

O silêncio de si mesmo



Aprendi a meditar por iniciativa própria, por “autodidatismo”.
 No me gusta este termo "auto-didata". Cheira a menosprezo. Como se aprender fosse só privilégio de um ato institucionalizado, não fosse algo completa e primordialmente parte da vida. Os animais aprendem, as plantas, quando buscam o sol, e o ser humano com a intelectualidade que lhe é peculiar, não é diferente. Ah, a digressão...o recorte do patch work de uma reflexão... Falava em meditar. Fui comprando livros sobre o assunto, e me especializando, na teoria e na prática. Meditei por uns 3 anos, em casa, de manhã cedinho, tipo 5 da manhã, quando podia me dar ao luxo de ficar só e ouvir o chiado do mar - morava bem na frente. Só mais um pequeno adendo - meditar não é ficar pensando, como talvez alguns entendam. É ficar observando os pensamentos, a grosso modo. Depois não tive mais tempo, ou interesse, talvez. Ou pode ser que a verdade seja outra: o medo me afugentou. Medo de me dissociar mais ainda no que sempre fui um tanto. Esta coisa de sair fora de si mesma e ficar observando me acompanha desde criança. As coisas ficavam bizarras, às vezes, cômicas, incongruentes. Um par abraçado, se movendo ao som de uma música, numa festinha, me era esdrúxulo, beirando o ridículo, não cabia na minha realidade de adolescente aprisionada por um pai extremamente moralista. Era fora do meu contexto. Mas pior ainda, é que me parecia fora do contexto de todos. A vida me parecia uma grande encenação. E às vezes ainda me parece, mas hoje lido melhor com isto. Aprendi a ter piedade, por mim, e pelo mundo. Meditar parecia-me dissociar-se de si mesmo, pelo menos de início. Depois fui aprendendo e observando que sair de si mesmo é se fundir com tudo. Forma e conteúdo, conteúdo e forma são a mesma coisa. Mas vou parando por aqui, pra não ser tragada pela abstração. Não sei se pratiquei e entendi certo a meditação. Mas o que de melhor descobri foi a prática do silêncio de mim mesma. Quando silenciamos todos os arrazoados sobre nossos pensamentos, e permitimos que simplesmente fluam, as coisas saltam, se libertam de nossas definições. Passam a ser só coisas. A gente percebe que está imerso em ruídos, e que nós mesmos somos um deles. Parece que se rompe um limite que só esteve ali por necessidade técnica de discernimento, numa vida de signos, onde necessitamos nos comunicar. Sentar-me em absoluto silêncio e imobilidade, postar-me em atitude de pura observação, livre de definição e juízo, agigantava meus poros, e minha alma iluminava e se iluminava. E se esparramava, como pérolas de um colar que se rebenta. Anônimas, diante dos sons da vida, inclusive dos sons das palavras de pensamentos que ecoam confinados na nossa cabeça, e aos poucos vão voando, como pássaros. Cada som, interno ou externo, é uma pérola que rola no espaço. Mas com a individualidade preservada no ponto central da consciência, que já não se chama José, ou Maria, ou João, nem vento, mar, pássaro, murmúrio, latido, grito... nada mais tem nome, apenas existe. O anonimato liberta ou aprisiona na solidão, conforme a expansão da consciência, no ser e no nada. Não o nada niilista, mas o nada nadificado pela consciência humana. É a criação humana, nadificar os seres, tansformá=los em imagem e pensamento. Être et le néant. O silêncio de si mesmo não é mudez ou ausência de ruído, não é uma circunstância, mas um estado. E tudo isto acontece, simplesmente acontece, sem antes nem depois, acima ou abaixo, nem encadeamento lógico algum. É muito louco tudo isto, mas muito lúcido.
Se alguém entender, por favor se manifeste!

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