Gosto de chuva, mar e céu. Gosto das forças todas da natureza em
mim e além de mim. Gosto de bichos, todos, ou quase. Com asa, com patas, que voa, que galopa, que rasteja, que Deus me proteja da cobra, mas é linda!
O cavalo, por exemplo, me é símbolo de força e liberdade. No potro
selvagem, vejo a fúria magnífica com que expulsa seus medos de ser aprisionado.
Mas a doma humana, quando respeita este instinto sagrado no animal, e em si
mesmo, demonstra o milagre da fusão entre racional e irracional. Ambos ganham,
quando em equilíbrio ajustado. No animal domesticado vemos a doçura da
confiança e da entrega, bem diferente de submissão. A palavra
"domesticar" contem em sua raiz "dom" - Senhor. E vem
dEle todo o aprendizado libertador. A troca de diferentes linguagens aproxima e
funde sentimentos, em todas as esferas.
As aves, doutro filo, mas certamente não de outro feeling, me
encantam de igual modo. Pégaso, então, é perfeito! Bendita expressão humana de
seus mitos e medos... Mas, nem tanto ao céu e nem tanto ao mar, observo
um humilde canarinho, apenas. Um canário preso na gaiola expressa sua
agonia de não poder voar, cantando. Seu canto profundamente agudo, sonoro e
harmonioso, são suas asas para a liberdade. A natureza nos ensina tudo, e em
tudo nos basta a sensibilidade, que é a inteligência da alma. É ela que
ilumina e unifica nosso corpo. E Deus me deu isto, transcendente a
qualquer limitação física.
Tenho sensibilidade nos 5 sentidos, e em muitos outros, que a contabilidade
científica ainda não computou, nem nunca vai computar. “O que é essencial é
invisível para os olhos”... Isto é um luxo! Agradeço a Deus por me
criar pele de cristal. Sei da profundidade com que Ele me agraciou, e abomino
falsa modéstia. É impossível a quem reconhece o milagre da natureza, além dos
limites do seu corpo, não reconhece-lo em si mesmo, uma vez que somos
cosmicamente unificados à vida.
Entretanto, por ver a natureza como Graça divina, apesar da
verdade cristalina de que “tudo é vaidade debaixo do sol”, me acredito em
salvaguarda deste veneno, na medida do possível humano, suficientemente em paz
com a humildade que dignifica e liberta. Daí volto ao canário, tão
significativo em sua gaiola, quanto cada um de nós na sua. Me volto à sua
liberdade de alma, pois nem só de pão vive o homem, nem a mulher...
O medo é uma corrente gigantesca. Mas o canário já não o tem mais.
O aprisionamento sofrido por forças que vão além dele próprio deram-lhe um novo
berço, praga da civilização, chamado zona de conforto. Se a porta se abre para
grandes vôos, não se sabe o que fazer. Mas como Deus tudo prevê, embora os gens
do corpo possam ser modificados, os da alma não. Esta praga não alcança a alma.
A agonia nos mantem inquietos, insatisfeitos, não obstante nossas vãs
tentativas de esquecer nossas origens, e nos fazermos apenas coisas entre as
coisas. E cantamos, dançamos, rimos e
choramos, e enlouquecemos...
O medo, como no potro e em qualquer outra vida, é proteção contra predadores, e não é à toa que
se encontra mergulhado na zona límbica, mais primitiva do cérebro. Precisamos
percorrer um caminho inicial ao seu abrigo, até que encontremos a luz que não
se apaga. Esta é, enfim, a liberdade!
A palavra animal significa que existe uma chama, uma força que
impulsiona parte da vida inanimada, sem
vontade própria, e que ali se abriga. Acredito que os vegetais também tem “ânima”,
e até os átomos, principalmente. É que Aristóteles, quando fez sua
classificação, ainda não sabia disto. Não teve o privilégio de ver um turbilhão
de átomos se atraindo e se repudiando...
Quanto ao medo, muitos medos, resquícios da infância, ainda habitam
em meus porões e mostram a cara pela janelinha, para respirar. Mas muitos
outros foram metabolizados pelo amargor da bílis do dia-a-dia, me fazendo nova
criatura. Bom mesmo é que a gaiola do meu corpo me permite filtrar pelos poros,
me evadir, numa ode à alegria. Eu, a cobra, o potro, e o canário...
Adendo - Amo os bichos, mas barata ainda não. E se Deus me fez
assim, quem sou eu para querer mudar?
Oi, consigo me identificar com quase tudo o que dizes. Sinto que tenho uma sintonia fina com a natureza e com os bichos (quase todos, ainda não consigo apreciar cobra, mosquito, lacraias, larvas, arghs!).
ResponderExcluirSobre o canário na gaiola, tenta encontrar no Google, tem (não lembro se uma poesia ou um conto) do Machado de Assis sobre isso, muito lindo, acho que irias gostar. Não sei mais onde li, só lembro na sensação boa que ficou até hoje por ter lido e que tem a ver com o que escreveste. Beijoca.
Muito bom! É o primeiro texto seu que leio e já achei interessantíssima sua obra. Percebi a influência da Biologia ali, hehe.
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